Em gestão corrente ...como o País...

Setembro 23 2007
             
   Paulo Mendo foi Secretário de Estado da Saúde em governos dos anos "de brasa" (mas que valiam a pena ser vividos) e Ministro da Saúde quando Cavaco Silva dava sinais de cansaço do governo e de enfado do partido e do seu aparelhismo.
   É, sem dúvida, a personalidade portuguesa que tem a visão mais estruturada e correcta do que deve ser uma politica de saúde, global, para o nosso país.
   Tem uma coluna de crónicas, comentários e análises, sobre temas variados, às quintas-feiras no "O Primeiro de Janeiro".
   Os temas são variados, embora com um enfoque especial na saúde.
   Pode lê-los através da net, clicando no íten "opinião" na coluna esquerda da pagina inicial do referido jornal.
   Na passada 5ª feira publicou esta excelente critica à politica actual da paquidérmica vaidade e falta de bom senso de quem aturamos a governar a saúde do país.
   Não resisto a publicá-la, com a devida vénia e um grande abraço a esta grande personalidade, desde sempre meu mestre em politica de saúde.
Opinião
Assim vai a Saúde Socialista


Paulo Mendo*

   No noticiário televisivo de um canal privado (na RTP nada vi!), em horário nobre, assisti, com vergonha crescente, à chegada de dezenas de portugueses, que chegavam de Cuba onde tinham sido tratados de lesões oculares, (cataratas e não só), porque em Portugal, há anos que esperavam em vão que o Serviço Nacional de Saúde ( SNS) deles se ocupasse!
   E foi a Câmara de Vila Real de Santo António que, revoltada com este abandono, subsidiou e permitiu o seu tratamento em Cuba.
   Exprimia um dos recém-chegados a sua revolta, afirmando que sendo actualmente a extracção de uma catarata um acto quase idêntico à extracção de um dente, nem isso o sistema de saúde de Portugal consegue garantir.
   Uma vergonha, que apenas levanta um pouco o véu que uma inadmissível política de resolução de listas de espera esconde.
   O Ministério da Saúde montou um complexo e com certeza caro sistema de monitorizar as listas de espera da sua rede de serviços nacional e isso permite-lhe saber quantos são os infelizes doentes, quantos entraram, quantos saíram, quais as patologias e qual o seu tempo de espera.
   Fica assim o Ministério a saber tudo, menos a saber resolver o problema.
  Nem, provavelmente, o aparelho criado estará interessado em resolvê-lo, porque isso seria o seu fim; tem que haver, e se possível, aumentar o número de pedidos para que se mantenha justificada e necessária a sua existência!
Não se resolveram as listas de espera , mas criou-se mais um serviço.
   Há doze anos lancei o primeiro programa de resolução de listas de espera para as patologias de massa ( uma lista bem tipificada de patologias), baseando-me naquilo que é a única solução fácil e exequível: o cumprimento de um dos princípios de um qualquer responsável serviço público de saúde: o princípio do “ dinheiro acompanha o doente”.
   Se o SNS não pode atender em tempo útil, paga o tratamento necessário no “mercado” privado existente e autorizado.
   Foi precisamente a lista dos doentes com cataratas que começou a ser assim resolvida em 1995.
   Os Governos seguintes, em bom comportamento socialista, acharam que teriam que ser os próprios hospitais a encontrar solução para este problema e doze anos depois o numero dos que já não esperam, mas desesperam, cresceu desmesuradamente.
   Mas há um serviço a tratar disso!
   E o desespero é tão grande e a certeza de que nada será resolvido pelo SNS é tão grande, que se apela a Cuba, para que um socialismo de miséria ajude um chamado país de capitalismo avançado.
   Onde nós chegamos!
   Desde há anos que impera na saúde a lógica administrativa: contenção de despesas, cumprimento dos orçamentos, prioridade ao gestor, tudo sob a vigilância e a batuta de um centralismo ministerial sem brechas.
   Mas esta cegueira administrativa atingiu o impensável: o Ministério até se ufana de que haja vários grandes hospitais que …deram lucro!
   Aquilo que seria uma vergonha a investigar com urgência porque significa que muita coisa necessária ficou por fazer ( e são doentes as vitimas), para que tal sucedesse, passou a subir ao podium do sucesso.
   Com um controlo centralizado como nunca houve, surdo, distante e poderoso, os serviços de saúde são informados, regulamentados, obrigados às medidas de funcionamento que de cima se determinam, os novos medicamentos são racionados , limites e fronteiras de gastos são impostos, as carreiras e as admissões geridas financeiramente.
   Podia, ao menos este Governo dizer que estas são necessidades temporárias, impostas pela nossa situação financeira, pedindo desculpa desta política redutora e prejudicial, esclarecendo que não pode fazer outra coisa e anunciando tempos melhores, mal o sol volte a aparecer.
   Mas não, esta política é anunciada como se estivessem a fazer a política de desenvolvimento necessária e com melhorias evidentes nunca vistas.
   E se não estamos melhor é porque ainda há muitos funcionários locais e institucionais incompetentes, muitos profissionais que não trabalham e muitos doentes que pedem o impossível.
   E por isso vem por aí o controlo biométrico das presenças dos funcionários, o ministério vai proceder, parece que a partir do próximo ano, à classificação dos Hospitais da mesma forma que se faz com os Hotéis, por estrelas, para poder colocar no pelourinho público os incompetentes e, porque não, os sabotadores!
   Sem corarem de vergonha, afirmam que isso é sinal de concorrência e estimulará as instituições a melhorarem o seu desempenho sob pena de verem o seu hospital classificado com uma mísera estrelinha.
   Aquilo que , como é evidente para quem quer ver, implica um universo concorrencial em ambiente de mercado e de liberdade de escolha, vão estes governantes que temos, brincar às estrelinhas como se o que cada hospital é, não seja fundamentalmente aquilo que o poder central quer e permite!
   E mais ainda.
   Que querem dizer as estrelas num hospital?
   Que um com cinco estrelas trata melhor o doente que um de duas?
   Não posso acreditar, porque, como é óbvio, um hospital menos desenvolvido e especializado, não faz os tratamentos complicados e raros que um grande hospital pode fazer, mas aquilo que faz tem que ter a mesma qualidade técnica e a mesma segurança que no melhor hospital do país.
   O que cada hospital faz do ponto de vista técnico e humano no tratamento dos seus doentes tem que ser sempre de cinco estrelas e é essa garantia que o Ministério tem que assegurar.
   Será que as estrelinhas vão então classificar apenas a qualidade hoteleira?
   Ou, como julgo, este programa anunciado nada mais é que um dos muitos que servem apenas para encher o olho e o ouvido do cidadão, de areia e “sound bits”, actividade em que este governo é perito, embora o cidadão comece a estar farto!
   E entretanto, quando é que o Governo, a Assembleia da República e o País pensam a sério no financiamento sustentável da saúde, cada vez mais complexa e mais cara, que nenhum governo democrático e europeu pode contrariar e que tem que ser resolvido com a responsabilidade e participação de todos, sabendo nós, infelizmente que os lucros(!)e a contenção orçamental que o nosso Ministro apregoa como vitória política é um embuste perigoso que despreza o nosso futuro
   Como vamos viver já no próximo ano, em que, pelo que se ouve e lê na imprensa económica, o Orçamento de Estado vai usar as áreas da Saúde e da Educação como campos de poupança obrigatória?
   Com menores orçamentos e mais hospitais a darem lucros!?
   Estaremos loucos?
        

Junho 19 2007

       

      O Dr. Paulo Mendo é um médico, politico e gestor de excepcional inteligência e lucidez, um dos poucos portugueses que possui uma visão estruturada e humanista do que deve ser um Seviço Nacional de Saúde para Portugal e para hoje.

      Subscreve às quintas-feiras, n' O Primeiro de Janeiro, uma coluna de opinião, não necessariamente sobre temas médicos.

      Na última, a 14/6/07, faz uma reflexão sobre o estado actual do exercício da medicina e a relação médico-doente que é simplesmente exemplar.

      Com a devida vénia (e um grande abraço de amizade e admiração) se trancreve o texto na sua totalidade. 

     

Opinião

A Medicina e a Clínica


Paulo Mendo*

Há mais de vinte anos afirmei que a clínica, sobretudo em ambulatório, tinha que ser lenta e demorada poque só assim permitia a criação do clima de empatia necessário entre médico e doente.
Era a defesa da chamada medicina lenta que, curiosamente, despertou reacções de incompreensão de muitos colegas porque, na altura, vivia-se no convencimento de que a técnica médica e os progressos diagnósticos davam ao clínico rapidamente tudo aquilo que ele precisava para um diagnostico rápido, podendo por isso, diminuir o tempo médio das consultas e ter a seu cargo muito mais doentes!
O tempo tem vindo a confirmar que esta é uma visão errada e muito redutora da importãncia da relação entre doente e clinico, visão que despreza o essencial relacionamento entre os dois e centra erradamente o médico sobre a doença sem se preocupar em, investigar, com o seu doente, os comportamentos, hábitos, problemas e angústias que fazem com que cada pessoa “faça” a sua própria doença.
Mas infelizmente continua a ser esta a visão corrente na medicina actual, sobretudo a especializada e hospitalar, que priveligia a doença, esquecendo o doente.
A enorme confiança, com justa razão, nos avanços da tecnologia médica tem feito com que o médico se “esqueça” de ouvir o doente e, pressionado pelo tempo e confiante nos exames técnicos, reduza o dossier do seu cliente a um conjunto de resultados de exames que pouco ou nada lhe dizem sobre o doente a que pertencem.
E as razões são várias, a mais importante das quais talvez seja a burocratização e massificação dos serviços de saúde.
A necessária racionalidade da gestão, a contenção de custos, a organização do trabalho, a luta contra os desperdícios, são essenciais, mas transformam, tantas vezes, as relações de compreensão, apoio e delicadeza para com os doentes, amedrontados, angustiados e, tantas vezes desamparados, em frias relações burocráticas em que o papel, o cartão, a guia, ou o cumprimento de labiríntica burocracia se sobrepõem à humana ajuda ao nosso semelhante.
E é esse o perigo mortal das grandes organizações estatais de serviços.
Envolvidos neste processo, em que os objectivos se medem pelo número de doentes tratados, diminuição dos tempos de internamento, número de actos praticados, número de consultas efectuadas, muitos médicos, felizmente nem todos, esquecem o doente que está perante eles e, confiantes nos exames que pediram e interessados apenas no rápido diagnóstico, “despacham” a consulta sem que o “seu” doente tenha tido sequer a possibilidade de explicar as suas queixas porque não há tempo para isso.
E o mal é que, com a persistência destes comportamentos, se gerou uma cultura de serviço que se estende à sociedade, transformando o cidadão num “utente” que procura o médico, para ver se tem as tensões boas, ou se não é diabetico, ou procurando uma cura como se esta estivesse dependente do número de análises e de exames que o médico pedir.
Costumo dizer que se vai ao médico como se vai a um posto dos Correios. Neste pede-se um selo ou manda-se uma carta, No médico pedem-se diagnósticos rápidos com análises. Em ambos os sítios ninguém se ficou a conhecer, o que, se é natural nos Correios é um desastre inadmíssivel em medicina clínica.
Esta situação tem sido levantada, discutida e analisada pelos médicos de família, nas suas associações, nos seus congressos e nas suas publicações.
Porque o médico de família sabe que é a vida de cada um, que são os nossos hábitos, os nossos vícios, o nosso temperamento, os grandes formatadores da forma como a doença, ou a simples perturbação de saúde, se manifesta em cada um de nós. Por isso, sente e sabe a importância de conquistar a confiança dos seus clientes, de os estimular a serem intervenientes interessados e co-responsáveis pelo próprio tratamento, de fazerem equipa consigo e nele confiarem, porque não duvidam da sua compreensão e ajuda.
Foi precisamente a importância dada à colheita de uma minuciosa história do doente e à uma rigorosa apreciação clínica dos sinais e sintomas, que tornaram a medicina francesa da primeira metade do seculo XX, a melhor do mundo na sua capacidade de tratar, compreender e centrar toda a sua acção no doente.
É esta capacidade de ver no seu cliente um ser humano e não um simpes portador de uma doença, que é essencial em medicina familiar e contitui, por isso, motivo de preocupação e de estudo de propostas adequados, como é o caso com as Unidades de Saúde Familiar (USF) em incrementação nos cuidados primários do SNS.
Mas mesmo na área hospitalar, é essencial a delicadeza do atendimento e a franca informação do doente, porque vindo este já referenciado pelo seu médico de família e sendo hospitalizado para tratamento, corre o risco de ser completamente esquecido como pessoa, eclipsado na luta técnica entre a medicina e a sua doença.
Aliás ainda há dias, no “Público” de 10 de Junho, um longo artigo anunciava a saída de um livro da autoria de Jerome Groopman sobre a medicina e os médicos na sua relação com a doença e os doentes, onde são denunciados os perigos dos comportamentos profissionais “científicos”, tecnicamente excelentes mas que esquecem o doente.
De notar que o autor do livro, que vai ser publicado em Portugal, é um eminente professor da Harvard Medical School, investigador de fama mundial nas áreas da oncologia e SIDA, da neurobiologia e da genética das doenças degenerativas do sistema nerovso, com mais de cento e cinquenta artigos de investigação publicados, para além de ser um frequente editorialista do “Washington Post” e do “New York Times”e escritor de vários livros de política e filosofia da saúde.
Enfim uma voz autorizada escutada em todo o mundo científico que esperamos seja ouvida em Portugal.


*Médico
Ex-ministro da Saúde

         




Maio 31 2007

      

      "Um Estado que queira prover a tudo e tudo açambarque, torna-se no fim de contas uma instância burocrática, que não pode assegurar o essencial de que o homem sofredor - todo o homem - tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal. Não precisamos de um Estado que regule e domine tudo, mas de um Estado que generosamente reconheça e apoie, segundo o principio da subsidiariedade , as iniciativas que nascem das diversas forças sociais e conjugam espontaneidade e proximidade aos homens carecidos de ajuda."

   

      Papa Bento XVI, Encíclica "Deus caritas est ", Dezembro de 2005.

    

      Citação retirada da coluna de opinião "Regionalização centralizada" de Paulo Mendo (" O Primeiro de Janeiro", 31 de Maio de 2007).

      O Dr. Paulo Mendo foi Ministro da Saúde no último Governo do Prof. Cavaco Silva e publica uma coluna de opinião no jornal "O Primeiro de Janeiro" às 5ª feiras.

      A de hoje, excelente como sempre, tem como tema a regionalização exigida pelo PS sempre que est á na oposição e que se transforma em feroz centralização sempre que apanha o poder.

    

      Para ler tudo, clique em baixo

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