O Código Deontológico da Ordem dos Médicos proíbe liminarmente todas as formas de aborto (hoje em dia poeticamente designado como interrupção voluntária da gravidez), excepto quando há comprovado perigo de vida para a mãe.
No entanto, sempre houve médicos que o praticaram, directa ou indirectamente, sem que alguma vez a Ordem tivesse feito fosse o que fosse sob o ponto de vista disciplinar.
Mais: toda a gente sabe que em muitos hospitais públicos se praticava o aborto, antes da actual legislação, embora de uma maneira encapotada, utilizando outras designações.
Não há memória de que qualquer entidade (Administrações, Ministério, Ordem) actuasse, instaurando inquéritos ou processos disciplinares.
Entretanto ocorreu o referendo e publicou-se a actual legislação (bastante permissiva) e os hospitais e médicos não objectores de consciência iniciaram a prática do aborto às claras, sem o secretismo e a clandestinidade de outros tempos.
Tudo estava a decorrer calmamente e sem polémicas .
Mas o Ministro da Saúde, com a sua habitual elegância de elefante em loja de porcelanas, quis abrir uma guerra onde ela não existia e, ameaçador, deu um prazo à Ordem para esta modificar o Código, subordinando-o à lei do aborto.
Talvez fizesse sentido se o Bastonário não tivesse vindo a público, imediatamente, declarar que a Ordem iria manter a sua tradicional prática de não accionar disciplinarmente os médicos que praticassem o aborto.
Assim sendo não se percebe a violência das declarações ministeriais a não ser que se destinem, apenas, a lançar poeira sobre a incompetência e a falta de sensibilidade social que esta equipa ministerial vem demonstrando e que provoca criticas mesmo nas cúpulas de um partido tão domesticado e tão amorfo como o actual PS.
À hipocrisia da Ordem (que proíbe mas fecha os olhos), contrapõe-se a paquidérmica elegância de um Ministro que inicia uma guerra que ninguém compreende.
Mas o Ministro não tem mais que fazer?