E já que falámos em Pedro Caldeira Cabral,
que bem que fica com Graça Morais
e com esse outro grande transmontano
Miguel Torga
E já que falámos em Pedro Caldeira Cabral,
que bem que fica com Graça Morais
e com esse outro grande transmontano
Miguel Torga
Ao contrário do que se pensa, o tempo caminha, mesmo no Alentejo!
E eu que o diga; ainda "ontem" cheguei para 2 semanas de férias e já passou uma!
Rapinado do "Corte na aldeia", este poema de Miguel Torga:
Alentejo
A luz que te ilumina,
Terra da cor dos olhos de quem olha!
A paz que se adivinha
Na tua solidão
Que nenhuma mesquinha
Condição
Pode compreender e povoar!
O mistério da tua imensidão
Onde o tempo caminha
Sem chegar!...
Miguel Torga
Alentejo
A luz que te ilumina,
Terra da cor dos olhos de quem olha!
A paz que se adivinha
Na tua solidão
Que nenhuma mesquinha
Condição
Pode compreender e povoar!
O mistério da tua imensidão
Onde o tempo caminha
Sem chegar!...
Miguel Torga, 1974, in
"Antologia Poética"
No dia do centenário do nascimento de Miguel Torga, um poema, cheio de actualidade, de 1977.
Voz Activa
Canta, poeta, canta!
Violenta o silêncio conformado.
Cega com outra luz a luz do dia.
Desassossega o mundo sossegado.
Ensina a cada alma a sua rebeldia.
Miguel Torga
in "Diário XIII", 1983
Miguel Torga, pseudónimo do médico Adolfo Rocha, nasceu há precisamente cem anos.
Natural e criado no planalto transmontano, do qual nunca se desligou, fez toda a sua vida profissional e literária em Coimbra onde tinha um consultório, no Largo da Portagem, com uma vista fantástica sobre o Mondego e Santa Clara.
Tive o privilégio de, em criança, ter sido consultado por ele por causa de um problema de ouvidos (Miguel Torga era otorrinolaringologista).
Até hoje os meus pais referem, com muito orgulho, que Miguel Torga no final da consulta, além de ter elogiado o meu comportamento - pouco habitual em crianças, referiu que eu tinha um olhar inteligente e uma cabeça semelhante à do Napoleão!
Este exagero simpático do grande mestre exacerbou-me de tal modo o ego que o primeiro livro que li, mal comecei a soletrar letras e sílabas foi, claro, "O Senhor Ventura", logo seguido por "Os Bichos".
Na esteira dos grandes escritores portugueses do século XIX (Eça e Camilo) e do século XX (Aquilino, Ferreira de Castro, José Rodrigues Migueis, Carlos Oliveira, o injustamente esquecido Fernando Namora) Miguel Torga foi o último dos grandes senhores da literatura portuguesa a deixar-nos, com uma idade já provecta.
Eterno candidato ao Nobel, nunca o recebeu - não viveu em tempos politicamente correctos para essa atribuição; coube a outro, com bem menos qualidades literárias, humanas e politicas a honra do Nobel; paciência, não foi a última vez que se cometeram injustiças!
Hoje, dia do centenário do seu nascimento, Coimbra comemora a efeméride, inaugurando uma casa museu onde o escritor viveu várias décadas.
Miguel Torga, personalidade independente de todas as amarras, disciplinas e jogos partidários, nunca escondeu simpatia pelo PS, tendo apoiado públicamente o PS em diversas fases da democracia portuguesa.
Mário Soares, enquanto governante ou Presidente, nunca foi a Coimbra sem visitar Miguel Torga.
A Câmara Municipal de Coimbra, promotora das celebrações, é presidida pelo Dr. Carlos Encarnação, do PSD.
O Governo, presidido por um engenheiro com a licenciatura tirada nas condições que se conhecem, é do PS.
Ninguém do governo se deslocou a Coimbra à homenagem a Miguel Torga. Nem aquela figura risível a imitar uma rameira do Bairro Alto nem o careca, estalinista até ao dia em que o PS lhe deu cama, mesa, tacho e roupa lavada.
António Arnaut, fundador do PS e "pai" do SNS já protestou.
Enfim, mais um episódio de Salazarismo sem Salazar!
No dia do centenário do nascimento de Miguel Torga, um poema publicado em 1958.
Recorde-se que, então, Salazar governava com mão de ferro, censura à comunicação social, PIDE e prisões politicas (para quem "abusava", pensando pela sua própria cabeça) e assassinatos quando não ia de outro modo!
O regime salazarento/fascista ainda não tinha sofrido o "abalo" do General Humberto
Delgado.
(Porque será que sinto que, infelizmente, este poema voltou a ter plena actualidade?)
Flor da Liberdade
Sombra dos mortos, maldição dos vivos.
Também nós... Também nós... E o sol recua.
Apenas o teu rosto continua
A sorrir como dantes,
Liberdade!
Liberdade do homem sobre a terra,
Ou debaixo da terra.
Liberdade!
O não inconformado que se diz
A Deus, à tirania, à eternidade.
Sepultos, insepultos,
Vivos amortalhados,
Passados e presentes cidadãos:
Temos nas nossas mãos
O terrível poder de recusar!
E é essa flor que nunca desespera
No jardim da perpétua primavera.
Miguel Torga,
in "Orfeu Rebelde", 1958
No dia do centenário do nascimento de Miguel Torga, um poema de 1950
Quase um poema de amor
Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.
Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num intimo pudor,
- Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
Coimbra, 7 de Fevereiro de 1950
Miguel Torga,
in "Antologia Poética", 1985