A respeito do Vento circulam rumores , murmuram-se suspeitas, dizem-no velhaco e atrevido, capadócio a quem é perigoso dar ousadia.
Citam-se as brincadeiras habituais do irresponsável: apagar lanternas, lamparinas, candeeiros, fifós para assombrar a Noite; despir as árvores dos belos vestidos de folhagens, deixando-as nuinhas.
Pilhérias de evidente mau gosto; no entanto, por incrível que pareça, a Noite suspira ao vê-lo e as árvores do bosque rebolam-se contentes à sua passagem, umas desavergonhadas.
A caçoada predilecta do Vento é meter-se por baixo da saia das mulheres, suspendendo-as com malévola intenção exibicionista.
Truque de seguríssimo efeito nos tempos de antanho, traduzindo-se em risos, olhares oblíquos e cobiçosos, contidas exclamações de gula, ahs! e ohs! entusiásticos.
Antigamente, porque hoje o Vento não obtém o menor sucesso com tão gasta demonstração: exibir o quê, se tudo anda à mostra e quanto mais se mostra menos se quer ver?
Quem sabe, as gerações futuras lutarão contra o visível e o fácil, exigindo, em passeatas e comicios, o escondido e o dificil.
Jorge Amado,
in "O Gato Malhado E A Andorinha Sinhá - Uma História De Amor", Publicações Dom Quixote,
Lisboa, 2004, 9ª ed.
(escrito em1948, para o filho João Jorge, no seu 1º aniversário)