Em gestão corrente ...como o País...

Novembro 07 2009

 

   Terapias

 

   Um cronópio forma-se em medicina e abre um consultório na rua Santiago del Estero. Aparece um doente a contar suas maleitas e que de noite não dorme e que de dia não come.

   - Compre um grande ramo de rosas - diz o cronópio.

   O doente vai-se embora muito admirado, mas compra o ramo e fica logo curado. Vai à do cronópio para lhe agradecer encarecidamente e além de pagar oferece, formosa lembrança, um ramo de rosas. Vai-se embora e o cronópio fica dente, tem dores por todos os lados, de noite não dorme e de dia não come.

 

Julio Cortázar, in "Histórias de Cronópios e de Famas", tradução de Alfacinha da Silva, Ed. Estampa, 1973

 


 


Julho 14 2009

Ivone Costa, no blogue

www.ponteirosparados.blogspot.com

publicou esta história que, sendo tão fabulosa e tão bem escrita, não quero deixar de partilhar com os meus leitores.

 

MARIA INÁCIA

 
Eu não sei ao certo em que dia este post devia ter sido escrito. Na família sabe-se que a minha bisavó Maria Inácia fazia anos por meados de Julho. Sabemos que ela casou em 1892 com o meu bisavô Miguel Rodrigues, vinte e poucos anos mais velho do que ela.

 
De todas as netas, apenas a minha mãe se parecia com ela. Era bonitinha, muito pequenina e frágil. Esta fotografia é da minha mãe, aos 24 anos. A minha avó dizia que, aqui, eram rigorosamente iguais.


Todas as minhas outras tias se pareciam com a minha avó: eram mulheres lindíssimas, altas, de pele clara e olhos verdes. Para os leitores, a quem estes pormenores possam interessar, eu saio ao meu pai: somos baixotes, morenos e feios. Os deuses deram-nos, em compensação, uma muito boa memória que bem útil nos tem sido ao longo da vida.

Mas vamos ao que interessa. Era o meu bisavô Miguel Rodrigues rapaz de 20 e poucos anos, quando foi visitar um amigo a quem, ao fim de alguns anos de porfia, nascera finalmente um rebento. Uma rapariga. O meu bisavô, dando-lhe o abraço da praxe disse: "Essa, guardem-na para mim. Quando chegar a altura, caso com ela." E assim fez: tinha Maria Inácia 18 anos quando, menina e moça, a levaram de casa de pai para casa do marido.

No Vale do Bispo, a herdade do meu bisavô, esperava-a a minha trisavó Rosalina, uma sogra dura de roer. Enquanto foi viva, ordenou que ela e o filho comiam em casa e que a nora comia nas mesa dos criados. Convém explicar aos leitores menos habituados a estas conversas que, quando se fala em criados numa herdade do Baixo-Alentejo, não nos referimos a pessoal empertigado de libré, mas sim a criados de lavoura, lavadeiras e ganhões ocasionais.

Nunca se percebeu bem esta atitude da minha trisavó. Nem a aceitação passiva do meu bisavô, homem afável, estimado, sério. Meandros desta história que se perderam nas voltas dos tempos.

Penso que ela terá morrido uns 5 anos depois do casamento do filho. A minha avó ainda não era nascida, mas Maria Inácia já tinha tido um filho que havia de morrer moço, com 18 anos.

Eu penso muitas vezes naqueles 5 anos na mesa dos criados. Que relação seria aquela? Como olhariam eles para a rapariga a quem a patroa sentava à mesa deles mas que, mais ano, menos ano, seria ela a patroa? Que pensariam eles da atitude do marido? Será que pensavam ou apenas esperavam a passagem do tempo? E ela? O que sentiria? Que coisas lhe terão ensinado, que segredos lhe terão contado ou escondido? Essa época permanecerá sempre um mistério e um fascínio para mim.

Pois a minha trisavó Rosalina morreu, a minha bisavó Maria Inácia tomou o seu lugar na mesa de dentro. Já a minha a avó tinha 10 anos quando o pai morreu. Eu ouvi-a tantas vezes contar esta história que quase consigo ver os detalhes.

Logo no dia a seguir ao do enterro, apareceu lá em casa o irmão do meu bisavô. Devia ser Setembro, porque a conversa teve lugar cá fora, no alpendre sobre o qual havia videiras cujos cachos, dizia a minha avó, começavam a amadurar.

Vinha o cunhado dizer-lhe que, visto que não havia "papéis", no que respeitava ao que ela tinha herdado por morte do pai, havia de se ver, mas aquilo que ela pensava ter acabado de herdar do marido, que tirasse daí a ideia. Era tudo dele.

Maria Inácia respondeu: "Fiquei ciente, meu cunhado. Vossemecê é servido de alguma coisa?". Como ele não era servido de nada, ela entrou em casa. Pouco depois, mandou que lhe preparassem umas mudas de roupa e que lhe aparelhassem a égua para bem cedo. Ia, de madrugada, para Odemira.

Odemira fica a uns 50km do vale do Bispo. Os meus primos dizem que terá lá chegado pelo fim da tarde. Aquela mulher só conhecia o caminho da casa onde nascera para a casa onde casara. Nunca fora a parte alguma. Sabia assinar o nome dela, mas do mundo não sabia mais nada. Uma onda de desassossego passava pela casa. No dia seguinte, enquanto lhe prendia uma espingarda na ilharga, um criado de lavoura ainda tentou : "Não vá, lavradora, sabe-se lá o que vossemecê pode encontrar." Mas ela fez-se ao caminho.

Devem ter passado mais de quinze dias sem notícias. Como eu gostava de saber as voltas que deu, quem procurou, como encontrou as pessoas certas, como se moveu num mundo e numa linguagem que ela nem sabia existirem.

A minha avó dizia que, quando ela chegou e saltou da égua, o preto da viuvez vinha tão coberto de poeira que parecia cinzento. Bebeu um copo de água, mandou chamar o cunhado e foi esperá-lo debaixo do alpendre.

Quando ele chegou, Maria Inácia disse: "Olhe, meu cunhado, Não sei explicar bem estas coisas, mas estes papéis que aqui estão não são os verdadeiros. Os verdadeiros estão bem guardados, mas estes valem tanto como os outros. Agora leia. Leia vossemecê, que lê melhor do que eu. E leia em voz alta."

E ele leu, enquanto dos quatro cantos da casa se juntava gente para ouvir. E lá dizia que ela, Maria Inácia Rodrigues, que também assinava apenas Maria Inácia, era dona e legítima proprietária do Vale do Bispo, dos Fitos Grandes, da Terra Nova, da Fragura, das Caveiras Altas e do Serro do Olival. Quando ele acabou de ler e de engolir em seco, ela disse-lhe, na voz mansinha que me contaram que ela tinha: "E agora, meu cunhado, saia daqui e, quando passar por estes lados, passe lá bem longe do portão que cá em casa toda a gente atira bem." Levantou-se, virou-lhe as costas e entrou em casa.

De Maria Inácia estão vivas seis netas, cinco bisnetas e quatro trinetas. Somos completamente diferentes umas das outras. Há-as como eu : cruéis, tristes, violentas, amarguradas e generosas. Como a minha mãe: meigas, práticas, compassivas e implacáveis. Como a minha tia Lila: inteligentes, perspicazes, teimosas e determinadas. Não há duas iguais. Só uma coisa persiste em nós, como um ferrete no nosso código genético: um apuradíssimo instinto de defesa que dispara ao mínimo sinal de perigo.

E, como são engraçadas estas coisas, todas nós atiramos bem.

 
 

Dezembro 22 2008

    

   A minha neta Sofia (8 anos, 3ª classe) mais uma vez conseguiu surpreender-me!

   Além de mostrar muito boas potencialidades para o desenho e pintura,está a mostrar-se dotada para a escrita e a poesia.

   Do blogue dela ("Sofiices") retirei a mais recente história que ela escreveu.

   

 

A história da bruxa e do Rei

         

   Era uma vez uma bruxa, cujo trabalho era estragar a vida do reino, fazendo maldições.

   Um dia o Rei fartou-se e disse aos guardas:

   - Vão até à torre e digam à bruxa para ela parar.

   Eles foram.

   Quando chegaram a bruxa já tinha preparado uma armadilha para os guardas, mal entraram na torre caíu uma grande rede por cima deles. E a bruxa disse assim:

   - Com que então o Rei mandou-os cá.

   - Sim e mandou-nos dizer para tu parares com as maldições, disseram os guardas.

   Mais tarde o Rei preocupado com os guardas, foi à torre, mas primeiro foi avisar a Rainha:

   - Minha querida Rainha tenho de ir à Torre de Magia Negra.

   E a Rainha disse:

   - Mas essa torre está cheia de magia negra?

   - Sim, mas tenho de salvar os guardas, disse o Rei.

   Quando o Rei chegou, a bruxa estava a preparar uma poção mágica para os guardas.

   - Olá bruxa, com que então a fazer uma poção mágica!, disse o Rei.

   E a bruxa quando ouviu o que o Rei disse, deixou cair o caldeirão que estava preso por uma corda que ia dar à mão da bruxa, e a poção caíu para cima dela  e ela transformou-se numa menina muito pequenina.

   O Rei e a Rainha quiseram adoptar a bruxa que se tinha transformado numa pequena menina.

      

   História escrita por mim em 21 e 22 de Dezembro de 2008

  que dedico à minha amiga Francisca Estevães

     


 

emgestaocorrente às 21:56

Novembro 08 2008

 

Noivado

  

 

   Estendeu os braços carinhosamente e avançou, de mãos abertas e cheias de ternura.

   -És tu Ernesto, meu amor?

   Não era. Era o Bernardo.

   Isso não os impediu de terem muitos meninos e não serem felizes.

   É o que faz a miopia.

 

  

Mário-Henrique Leiria, in

"Contos do Gin-Tonic", Ed. Estampa, 1973

    


 


Novembro 07 2008

 

Carreirismo

 

   Após ter surripiado por três vezes a compota da despensa, seu pai adomestou-o.

   Depois de ter roubado a caixa do senhor Esteves da mercearia da esquina, seu pai pô-lo na rua.

   Voltou passados vinte e dois anos, com chofér fardado.

   Era director Geral das Polícias. Seu pai teve o enfarte.

    

   

Mário-Henrique Leiria, in

"Contos do Gin-Tonic", Ed. Estampa, 1973


 


mais sobre mim
Fevereiro 2013
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2

3
4
5
6
7
8
9

10
11
12
13
14
15
16

17
18
19
20
21
22
23

24
25
26
27
28


links
pesquisar
 
blogs SAPO