Em gestão corrente ...como o País...

Dezembro 13 2008

     

   De volta ao "Corte na aldeia": 

Transitórias estátua
Meninas de bicicleta
Que fagueiras pedalais
Quero ser vosso poeta!
Ó transitórias estátuas
Esfuziantes de azul
Louras com peles mulatas
Princesas da zona sul:
As vossas jovens figuras
Retesadas nos selins
Me prendem, com serem puras
Em redondilhas afins.
Que lindas são vossas quilhas
Quando as praias abordais!
E as nervosas panturrilhas
Na rotação dos pedais:
Que douradas maravilhas!
Bicicletai, meninada
Aos ventos do Arpoador
Solta a flâmula agitada
Das cabeleiras em flor
Uma correndo à gandaia
Outra com jeito de séria
Mostrando as pernas sem saia
Feitas da mesma matéria.
Permanecei! vós que sois
O que o mundo não tem mais
Juventude de maiôs
Sobre máquinas da paz
Enxames de namoradas
Ao sol de Copacabana
Centauresas transpiradas
Que o leque do mar abana!
A vós o canto que inflama
Os meus trint'anos, meninas
Velozes massas em chama
Explodindo em vitaminas.
Bem haja a vossa saúde
À humanidade inquieta
Vós cuja ardente virtude
Preservais muito amiúde
Com um selim de bicicleta
Vós que levais tantas raças
Nos corpos firmes e crus:
Meninas, soltai as alças
Bicicletai seios nus!
No vosso rastro persiste
O mesmo eterno poeta
Um poeta - essa coisa triste
Escravizada à beleza
Que em vosso rastro persiste,
Levando a sua tristeza
No quadro da bicicleta.


Vinícius de Moraes

pindaro
# posted by cortenaaldeia @ 12/12/2008 05:02:00 PM


Dezembro 08 2008
 
«As cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas.»
 
 
Júlio (1902-1983). «Cabeça de mulher e lua». 1973. Col. Família do Autor, Vila do Conde.

Júlio (1902-1983), Cabeça de mulher e lua, 1973

 

   

   

       Todas as cartas de amor são

Ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem

Ridículas.

        

 

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,

Como as outras,

Ridículas.

       

 

As cartas de amor, se há amor,

Têm de ser

Ridículas.

      

 

Mas, afinal,

Só as criaturas que nunca escreveram

Cartas de amor

É que são

Ridículas.

     

 

Quem me dera no tempo em que escrevia

Sem dar por isso

Cartas de amor

Ridículas.

     

 

A verdade é que hoje

As minhas memórias

Dessas cartas de amor

É que são

Ridículas.

     

 

(Todas as palavras esdrúxulas,

Como os sentimentos esdrúxulos,

São naturalmente

Ridículas). 

   
    
Rapinado do Portal Multipessoa, que se recomenda, vivamente!
     

 

Dezembro 07 2008

 

Breve

   

 

Breve

o botão que foste

e o pudor de sê-lo.

   

Breve

o laço vermelho

dado no cabelo.

  

Breve

a flor que abriu

e o sol mudou.

 

Breve

tanto sonho findo

que a vida pisou.

 

João José Cochofel, in

"366 poemas que falam de amor", organização de Vasco Graça Moura, Quetzal Ed., Lisoa, 2004

  


 


Dezembro 04 2008

 

Conselho
 
 
Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.

 

    

       

Eugénio de Andrade, in

"Os amantes sem dinheiro"

     


 

emgestaocorrente às 17:30

Dezembro 03 2008

   

Cantiga

    

Deixa-te estar na minha vida

Como um navio sobre o mar.

  

Se o vento sopra e rasga as velas

E a noite é gélida e comprida

E a voz ecoa das procelas,

Deixa-te estar na minha vida.

    

Se erguem as ondas mãos de espuma

Aos céus, em cólera incontida,

E o ar se tolda e cresce a bruma,

Deixa-te estar na minha vida.

  

À praia, um dia, erma e esquecida,

Hei, com amor, de te levar.

Deixa-te estar na minha vida.

Como um navio sobre o mar.

   

Cabral do Nascimento, in

"366 poemas que falam de amor", antologia de Vasco Graça Moura,

Quetzal Ed., Lisboa, 2003

    


 


Novembro 30 2008

  

Soneto de amor

   

Não me peças palavras, nem baladas,

Nem expressões, nem alma... Abre-me o seio,

Deixa cair as pálpebras pesadas,

E entre os seios me apertes sem receio.

   

Na tua boca sob a minha, ao meio,

Nossas línguas se busquem, desvairadas...

E que os meus flancos nus vibrem no enleio

Das tuas pernas ágeis e delgadas.

  

E em duas bocas uma língua..., - unidos,

Nós trocaremos beijos e gemidos,

Sentindo o nosso sangue misturar-se.

  

Depois... - abre os teus olhos, minha amada!

Enterra-os bem nos meus; não digas nada...

Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!

          

      

José Régio, in

"Eros de passagem", Poesia Erótica Contemporânea,

selecção de Eugénio de Andrade, Campo das Letras, Porto, 1997

     


 


Novembro 27 2008

  

Amor, é um arder, que se não sente

  

Amor,é um arder, que se não sente;

É ferida que dói, e não tem cura;

É febre, que no peito faz secura;

É mal, que as forças tira de repente.

 

É fogo, que consome ocultamente;

É dor, que mortifica a Criatura;

É ânsia a mais cruel, e a mais impura;

E frágua, que devora o fogo ardente.

  

É um triste penar entre lamentos;

É um não acabar sempre penando;

É um andar metido em mil tormentos.

   

É suspiros lançar de quando, em quando;

E quem me causa eternos sentimentos;

É qum me mata, e vida me está dando.

   

Abade de Jazente, in

"366 poemas que falam de amor", antologia de Vasco Graça Moura,

Quetzal Ed., Lisboa 2004

    


 


Novembro 23 2008

  

Os lagartos ao sol

     

Expõe ao sol a perna escalavrada,

no Jardim do Príncipe Real,

uma velha inglesa. Não há nada

tão bonito (pra mim), so natural.

  

E conversamos: "Heliterapia

medicina barata em Portugal."

Accionista do sol, ajudo à missa:

"But, não muito, que senão faz mal."

  

Gozosos, eu e a velha, ali ficamos

à mercê de meninos e marçanos.

Ela, a inglesa, de perninha à vela;

e eu, o português, à perna dela.

    

Tavez que, se Briol nos consevara,

alguém um dia nos ajardinara.

   

Alexandre O'Neill, in

"De ombro na ombreira", Cadernos de poesia 3, Ed. D. Quixote, 1969

      


 

emgestaocorrente às 15:26

Novembro 18 2008

   

   Rapinado, claro!, do "Corte na Aldeia":  

Deve andar perto uma mulher

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 
 
 
 
São demais os perigos desta vida pra quem tem paixão
Principalmente quando uma lua chega de repente
E se deixa no céu, como esquecida
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma musica qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher
Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer de tão perfeita
Uma mulher que é como a própria lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua

 
Vinicius de Moraes
 

 


Novembro 17 2008

   

O teu corpo

   

     

Um corpo secreto

e espesso

por onde deslize o silêncio

A saliva da tarde

   

que vire o desejo

do avesso

   

  

Mara Teresa Horta, in

"Só de amor"

    


 

emgestaocorrente às 21:05

Novembro 15 2008

   

Ilha

    

  

Deitada és uma ilha     E raramente

surgem ilhas no mar tão alongadas

com tão prometedoras enseadas

um só bosque no meio florescente

  

promontórios a pique     e de repente

na luz de duas gémeas madrugadas

o fulgor das colinas acordadas

o pasmo da planície adolescente

  

Deitada és uma ilha     Que percorro

descobrindo-lhe as zonas mais sombrias

mas nem sabes se grito por socorro

  

ou se te mostro só que me inebrias

amiga     amor     amante     amada     eu morro

da vida que me dás todos os dias

   

    

David Mourão-Ferreira, in

"Obra Poética,

      


 

emgestaocorrente às 18:42

Novembro 11 2008

  

Teatro dos dias

    

   

Ninguém cheira melhor

nestes dias

do que a terra molhada: é outono.

Talvez por isso a luz,

como quem gosta de falar

da sua vida, se demora à porta,

ou então passa as tardes à janela

confundindo o crepúsculo

com as ruínas

de cal mordidas pelas silvas.

Quando se vai embora o pano desce

rapidamente.

  

 

Eugénio de Andrade, in

"Ofício de paciência", 1994

    


 


Novembro 07 2008

  

Gin sem tónica

  

Uma garrafa de gin

estava a preocupar

o pescador

a garoupa e o rodovalho

não tinham aparecido

pró jantar

que fazer?

telefonou ao ministro

da Pesca e do trabalho

mas o ministro

estava a trabalhar

na cama

com a mulher

foi então

que a garrafa de gin

sugeriu discretamente

porque não

telefonar ao presidente?

telefonaram

o presidente da nação

estava em acção

na cama

com a mulher

nessa altura

até que enfim

encontraram a solução

o pescador

foi para a cama

com a garrafa de gin

  

Mário-Henrique Leiria, in

"Contos do Gin-Tonic", Ed. Estampa, 1973

     


 

emgestaocorrente às 22:21

Novembro 06 2008

   

Variação

  

     

Uma eternidade, mesmo se a tivesse nos dedos,

seria pouco para o tempo que a chuva demora

nos teus lábios: quase o tempo de

um pássaro rondar as rosas, e morrer.

   

    

Francisco José Viegas, in

"Metade da Vida"

   


 

emgestaocorrente às 22:18

Novembro 05 2008

   

conhecimento

   

  

fiz no teu corpo à noite a travessia

de mares e céus e terras e vulcões

e em breve rodopio as estações

detinham-se esquecidas e foi dia

 

a memória das praias e florestas

perpassou-me na pele e entranhou-se

como um suave afago que assim fosse

espuma que ficou de iras honestas

   

e ao despertar de tanta sonolência

formou-se devagar esta canção

para entreter de novo o coração

tão paciente em sua impaciência

  

até que sendo noite eu atravesso

uma outra vez o mundo, o mar, o vento.

amar é sempre mais conhecimento

e conhecer é tudo o que eu te peço.

  

 

Vaso Graça Moura, in

"Poesia 1977/2000"

     


 

emgestaocorrente às 21:16

Novembro 02 2008

     

(Para um fim de tarde de outono)

 

O desejo aceso

   

O desejo aceso

na lareira do corpo

  

Com a sua chama

sem rumo

em forma de asa

  

Maria Teresa Horta, in

"Só de amor"

    


  


Outubro 29 2008

     

De volta ao "Corte na aldeia", com todo o gosto e a devida vénia:

         

Era chama de queimar

   

 

 

 

 

Seus olhos – se eu sei pintar
   O que os meus olhos cegou –
   Não tinham luz de brilhar,
   Era chama de queimar;
   E o fogo que a ateou
   Vivaz, eterno, divino,
   Como facho do Destino.
   Divino, eterno! – e suave
   Ao mesmo tempo: mas grave
   E de tão fatal poder,
   Que, um só momento que a vi,
   Queimar toda alma senti...
   Nem ficou mais de meu ser,
   Senão a cinza em que ardi.


Almeida Garrett


pindaro      
# posted by cortenaaldeia @ 10/29/2008 01:29:00 PM 0 comments

   


 


Outubro 29 2008

   

Peso de Outono

    

Eu vi o Outono desprender suas folhas,

cair no regaço de mulheres muito loucas.

Cem duzentas pessoas num café cheio de fumo

na cidade de Heidelberg pronta para a neve

saboreavam tepidamente a sua ignorância.

  

Eu vi as amantes ensandecerem

com esse peso de Outono. Perderam as forças

com o Outono masculino e sangrento.

Os gritos a meio da noite

das amantes a meio da loucura voavam

como facas para o meu peito.

 

Alguns poetas li-os melhor no Outono,

certos amores só poderia tê-los,

como tive, nos dias doces da vindima.

   

Fernando Assis Pacheco, in

"A Musa Irregular", Edições Asa, 2º ed., 1996

    


 

emgestaocorrente às 19:07

Outubro 28 2008

  

Incêndio

   

Tu acendes a chama

do meu corpo

pões a lenha ao fundo

em sítio seco

    

Procuras no desejo

o ponto certo

e convocas aí

o lume certo

  

Se a madeira demora

a ganhar fogo

tomas-me as pernas

e deitas lento o vinho

  

Riscas os fósforos todos

e depois

é mais um incêndio

que adivinho

  

Maria Teresa Horta, in

"Só de amor"

  


 

emgestaocorrente às 21:41

Outubro 28 2008

    

Falência

  

Meu coração, rubra esplanada

abriu no verão, à beira-mar,

sobre uma praia desesperada

onde ninguém foi veranear.

   

David Mourão-Ferreira, in

"Obra Poética"

   


 

emgestaocorrente às 21:34

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