deixa o tempo fazer o resto
fechar janelas
aplacar os barcos
recolher os víveres
semear a sorte
acender o fogo
esperar a ceia
abre as portas: lê a luz
a sombra, a arte do passarinheiro
com três paus
fazes uma canoa
com quatro tens um verso,
deixa o tempo fazer o resto.
Ana Paula Inácio,
in "Vago Pressentimento Azul Por Cima, Ilhas, 2000
Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele. E o corpo
doeu-me onde antes os teus dedos foram aves
de verão e a tua boca deixou um rasto de canções.
No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha
camisola; e eu despi-a para ti, a dar-te um coração
que era o resto da vida - como um peixe respira
na rede mais exausta. Nem mesmo à despedida
foram os gestos contundentes: tudo o que vem de ti
é um poema. Contudo, ao acordar, a solidão sulcara
um vale nos cobertores e o meu corpo era de novo
um trilho abandonado na paisagem. Sentei-me na cama
e repeti devagar o teu nome, o nome dos meus sonhos;
mas as sílabas caíam no fim das palavras, a dor esgota
as forças, são frios os batentes nas portas da manhã.
Maria do Rosário Pedreira,
in "O Canto do Vento nos Ciprestes", Gótica, 2001
Do blogue Corta-Fitas rapinei, com a devida vénia, este post que parece merecer aquele título.
Já havia o Homem Regisconta, o Homem Sonae, faltava o Homem Pesca Nova!
Aí está um com todo o mérito.