TARDE
Teus olhos húmidos eram lagos
em que nosso desejo se mirava.
Tua boca entreaberta era a mensagem
do teu corpo moço que se dava.
Teu hálito quente
embrulhado de desejo
vinha de não sei lá que profundezas
em que de amor tuas entranhas se abrasavam.
E havia, amor, a envolver-nos,
essa solidão enorme
entre pinheiros, céu e terra quente
da tarde que dorme ...
João José Cochofel
in "Obra Poética"
Que vergonha, rapazes! Nós práqui
caídos na cerveja ou no uísque,
a enrolar a conversa no "diz que"
e a desnalgar a fêmea ("Vist'? Viii!")
Que miséria, meus filhos! Tão sem geito
é esta videirunha à portuguesa,
que às vezes me soergo no meu leito
e vejo entrar quarta invasão francesa.
Desejo recalcado, com certeza...
mas logo desço à rua, encontro o Roque
("O Roque abre-lhe a porta, nunca toque!")
e desabafo: -Ó Roque, com franqueza:
você nunca quis ver outros países?
- Bem queria, sr. O'Neill! E ... as varizes?
Alexandre O'Neill
in "De ombro na ombreira", 1969
O Eurostat, organismo estatístico da União Europeia, publicou hoje, em comunicado de imprensa (5/2007), a evolução do PIB Produto Interno Bruto) no 3º trimestre de 2006 nos países comunitários.
Mais uma vez, Portugal ocupou o último lugar, apresentando uma evolução positiva de 1,5% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, o que corresponde a metade do verificado na União a 27 (já com a Roménia e a Bulgária) que foi 3%!
Refira-se que estes dois últimos países apresentaram evoluções positivas de 8,3 e 6,7%, respectivamente!
Refira-se, ainda, que outros países da antiga "cortina de ferro" -Lituânia e Letónia - apresentaram crescimentos de 7,1 e 11,8%, respectivamente!
A nossa vizinha Espanha mais que duplicou o nosso crescimento, apresentando uma evolução positiva de 3,8%!
Apetece voltar a perguntar ao Primeiro Ministro José Sócrates se não pode contratar ministros em Espanha, ou mesmo nos antigos países "comunistas", estes, decerto, muito mais baratos que os nossos.
(1ª publicação a 11/1/07)
Na última semana, uma vez mais, o povo e a comunicação social entreteve-se com episódios de "revista à portuguesa" só possíveis de acontecer em Portugal.
Um dos mais espantosos (e ridiculos) teve como pano de fundo o controlo da assiduidade e do cumprimento dos horários em hospitais.
Tradicionalmente esse controlo, na função pública (e não só nos hospitais), é efectuado por assinatura de livros ou de folhas de ponto, à entrada e à saída.
Quando nas empresas privadas já estava generalizado o uso de meios electrónicos, algumas instituições de saúde públicas montaram aparelhos mecânicos.
Ainda hoje, em muitas instituições de saúde públicas, os médicos, nos primeiros dias do mês assinam, de afogadilho, as folhas do mês anterior!
Escusado será salientar todo o tipo de abusos e fraudes que este sistema permite.
Há pouco mais de meia dúzia de anos, e por pressão da Inspecção-Geral da Saúde, saíram directrizes no sentido daquele controlo ser feito por meios mecânicos ou eletrónicos em todos os hospitais.
Como acontece com alguma frequência, a generalidade das administrações hospitalares, submersas em deficits e dividas crescentes, a braços com subfinanciamentos crónicos, "passaram" ao lado e aplicaram as escassas verbas disponíveis em aquisições de material e equipamento que consideraram mais prioritário.
Com nova insistência da I-GS, alguns hospitais dispuseram-se, agora, a adquirir meios electrónicos de contolo com reconhecimento da impressão digital de cada trabalhador, óbviamente um método muito menos susceptível de permitir abusos e fraudes.
O Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, foi o (ou um dos) primeiro(s).
Foi o bom e o bonito!
Os Directores de Serviço (ou ex-, ou futuros ex-, ou ex- futuros ex-, ainda não se percebeu bem) puseram-se em bicos dos pés e apresentaram um abaixo-assinado em que ameaçavam uma demissão colectiva.
A comunicação social sõfrega de pequenos escandalos e fogos fátuos, pôs-se a caminho na esperança de novos acontecimentos que enchessem as primeiras páginas e fizessem vender papel e tempo de antena (sim que Matosinhos, nesse aspecto, não é uma terra qualquer!).
O inefável Bastonário da Ordem dos Médicos (as eleições não estão longe e já há outro candidato assumido) deu-se ao trabalho de se deslocar à provincia para reunir com meis dúzia de médicos e aparecer nas televisões e jornais a dizer dislates, arvorado em supremo defensor dos pobrezinhos dos doentes que, segundo o seu ponto de vista, são contra o controlo da da assiduidade e do cumprimento dos horários pelo pessoal hospitalar!
Os sindicalistas do costume (e mais alguns anónimos) não perderam a oportunidade para aparecer nos media, repetindo as as mesmas aleivosias do Bastonário e, também, com o fito único de defenderem os interesses dos coitados dos doentes!
Só assim os portugueses ficaram a saber, decerto estupefactos, que é contra o interesse dos doentes que os profissionais de saúde, designadamente os médicos, sejam assíduos, pontuais e cumpridores de horários!
Outras personagens menores, mas também sequiosas de mediático protagonismo, como dirigentes sindicais e da Ordem dos Enfermeiros, aproveitaram a boleia e lá repetiram os mesmos disparates, mas cedo se apercebendo que o filme não era com eles, desapareceram pela esquerda baixa.
De todas as outras categorias profissionais apenas um profundo silêncio.
O Ministro, que também não perde uma oportunidade de aparecer nos media, teve a coragem de se deslocar ao local e de se reunir com os contestatários ao efectivo controlo do cumprimento dos horários.
Mas com a delicadeza de um elefante numa loja de porcelanas, o Ministro, à saída, em vez de se dirigir directamente aos portugueses e explicar o que estava em jogo, enredou-se em assuntos laterais, que só aos próprios interessavam, enredando-se em considerações sobre a legalidade da demissão colectiva, em abaixo-assinado, das primas donas que desencadearam o processo e para as quais os cidadãos se estão completamente nas "tintas".
Falando sério:
Siga o Ministro esta linha de acção e terá, decerto, o apoio de todos os médicos (e são estes que estão efectivamente em causa) que cumprem e que se devotam ao exercício da sua profissão, muitas vezes para além do que lhes é legalmente exigido.
Assim, "a boa moeda poderá expulsar a má moeda"!
(Publicado originalmente a 7/1/07)