Em gestão corrente ...como o País...

Março 06 2012

 

   Em 1973 eu trabalhava e vivia em Fornos de Algodres. Numa das viagens semanais a Viseu passei, por acaso, numa livraria/discoteca nova que ainda não conhecia. Comprei o último LP do Sérgio Godinho (então exilado em França) e o úlimo LP dos Procol Harum (Grande Hotel) e o último romance de Augusto Abelaira.
   O livreiro num lampejo de inteligência, que ainda hoje agradeço, perguntou-me se eu conhecia um autor sul americano chamado Gabriel Garcia Marquez.
   Respondi que não e ele mostrou-me a 1ª edição portuguesa dos Cem Anos de Solidão, penso que da Europa-América.
   Para não o desiludir (ele tinha elogiado o bom gosto das minhas escolhas...), comprei o livro.
   À noite, por desfastio, desfolheei-o e comecei a lê-lo.
   Era sábado à noite e acabei de o ler no domingo, à hora do almoço, sem ter pregado olho!
   Ainda hoje, juntamente com outros, como a Poesia Completa de Eugénio de Andrade, é um dos meus livros de cabeceira, sempre lido, relido e treslido com muito gosto, gozo e proveito.
   Obrigado Gabo!
   Obrigado anónimo livreiro de Viseu!



Novembro 21 2009

 

   No post anterior apresentei-vos o 1º parágrafo da célebre novela de Aquilino Ribeiro; não resisto a transcever-vos o 2º parágrafo:

   

   "Não tenho cataratas nos olhos, ainda que me hajam rodado sobre o cadáver quase dois carros de anos, mas os dias de hoje não os conheço. E, quanto mais cismo, mais dou razão ao Miguelão da Cabeça da Ponte, que falava como livro aberto, o grande bruxo. Muitas vezes lhe ouvi dizer quando estava de boa lua, o que nem sempre assucedia:

   -Tempos virão em que o governarão as terras vãs e os filhos das barregãs."

 

   O homem era bruxo...!!!

 


 

emgestaocorrente às 23:08

Novembro 21 2009

 

   Aquilino Ribeiro: um grande escritor português do Século XX em vias de esquecimento pela voragem da espuma dos dias.

   "O Malhadinhas", uma das suas novelas de referência, começa assim:

          

   "Quando comecei a pôr vulto no mundo, meus fidalgos, era a porca da vida outra droga. Todas as semanas contavam dias de guarda e, por cada dia de guarda, armava-se o saricoté nos terreiros. Não andaria Nosso Senhor de terra em terra - eu cá nunca me avistei com ele - mas a verdade é que a neve vinha, com os Santos e as cerejas quando largam do ovo os perdigotos. Bebia-se o briol por canadões de pau até que bonda. Um homem mesmo com os dia cheios tinha pena de morrer."

    

   Quem resiste a ler (ou a reler) uma novela que começa desta maneira?

 


 

emgestaocorrente às 18:29

Abril 24 2009

   Acreditei durante muito tempo ter vindo ao mundo de um modo diferente de toda a gente. Foi minha avó Catarina - e as avós nunca mentem - quem me meteu esta ideia na cabeça. Costumava contar-me que, num dia de inverno, de manhã cedo, apesar do nevoeiro, o faroleiro João de Castro tinha ido à praia da Adraga apanhar polvos, quando deu comigo metido num ovo enorme, com a cabeça, as pernas e os braços de fora.
   Como testemunhas presenciais minha avó citava um cavaleiro maneta, mestre equestre, que para ali ia montar acompanhado pelos seus três peões de brega, recrutados entre os mais aparvalhados das aldeias. Eles e o faroleiro assistiram estremunhados ao estranhíssimo espectáculo. E os cinco disputaram entre si quem iria ficar comigo. A meio da discussão foram atacados por uma cobra-marinha que estava a guardar-me. Mas João de Castro, com a lança que lhe servia para espetar os polvos entre as rochas, cortou-lhe a cabeçorra diabólica, assim conquistando o direito à minha posse.
...
(Início)

Almeida Faria, in
"O Conquistador", Ed. Caminho, Lisboa, 1990

   


 


Setembro 04 2008

   

   Com um esforço solene, o padre Ángel acordou. Esfregou os olhos com os nós do dedos, afastou a cortina do mosquiteiro e permaneceu sentado na esteira lisa, por um momento pensativo, o tempo indispensável para verificar que estava vivo e para se lembrar da data em que se encontrava e da sua relação com o santoral. "Terça-feira, quatro de Outubro", pensou, pronunciando em voz baixa: "São Francisco de Assis".

   Vestiu-se sem se lavar e sem rezar. Era alto, sanguíneo, com uma figura pacífica de boi manso, e movia-se como um boi, com gestos lentos e tristes. Depois de rectificar a abotoadura da sotaina com a atenção lânguida dos dedos com que se verificam as cordas de uma harpa, retirou a tranca e abriu a porta do pátio. Sob a chuva, os nardos trouxeram-lhe à memória as palavras de uma canção.

   - "O mar crescerá com as minhas lágrimas" - suspirou.

   O quarto comunicava com a igreja por meio de um corredor interior com vasos de flores, o chão coberto com ladrilhos soltos por cujas juntas começava a crescer a erva de Outubro. Antes de se dirigir à igreja, o padre Ángel entrou na retrete. Urinou com abundância, contendo a respiração para não sentir o intenso cheiro amoniacal que lhe fazia saltar as lágrimas. Depois saiu para o corredor, recordando: Este barco me levará ao teu sonho". Ao passar a estreita porta da igreja sentiu o cheiro dos nardos pela última vez.

   ...

     

   Este é o inicio do romance "A hora má: o veneno da madrugada", de Gabriel García Marquez, ed. Dom Quixote, tradução de Egito Gonçalves, Lisboa, 2008.

   O livro foi escrito em 1961, nele se encontrando já referências a Macondo e a personagens que vão aparecer, mais tarde, nesse extraordinário romance (talvez o melhor da história da literatura) que é "Cem anos de solidão".

   Não perca tempo; o que gastar a lê-lo será a melhor maneira de viver, excepto, claro, o tempo que gastar a brincar e passear comos seus netos...

  


 


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