Em gestão corrente ...como o País...

Maio 09 2008

        

   Mais uma excelente crónica de José Ricardo Costa no Jornal Torrejano de ontem.

      

Quando, há tempos, chegou a vez de apresentar Descartes nas minhas aulas de Filosofia, decidi começar por falar de D. Quixote e dos seus famosos moinhos de vento. Eu tinha a noção de o D. Quixote ser aquele livro que, embora quase ninguém tenha lido, toda a gente conhece.

Não foi por acaso que falei nele. Descartes, na brincadeira, claro, parte do princípio de que tudo o que vemos no mundo poderá ser fruto da ilusão, do sonho, da loucura, o que, diga-se de passagem, pode ter vantagens e desvantagens.

Se desanima pensar que a Monica Bellucci pode não passar de um produto da nossa febril imaginação, há também a esperança de o ministro Silva Pereira poder não existir e ser apenas um boneco da Nintendo.

Ora bem, ninguém conhecia o episódio dos moinhos de vento. Fiquei em estado de choque. Ainda tive uma réstea de esperança: Sancho Pança? Sim?...

Não. Sancho Pança era-lhes tão familiar como Witold Lutoslawski e se eu dissesse que os moinhos de vento de La Mancha eram uma versão espanhola da nossa estação do Oriente, projectados por um arquitecto espanhol chamado Santiago Calatrava, ninguém iria reagir.

Há poucos dias, noutra turma, pedi aos alunos que me entregassem uns trabalhos por correio electrónico. Os professores, agora, são obrigados a serem modernos e fica bem no currículo dizer que se usam as novas tecnologias mesmo que os alunos possam não saber ler e escrever.

Na brincadeira, disse que não queria que me enviassem vírus. Um aluno, também na brincadeira, disse que iria mandar um "cavalo de Tróia" (um tipo de vírus). Eu, ainda na brincadeira, disse que não valeria a pena pois não tinha lá em casa nenhuma Helena para resgatar.

A brincadeira acabou ali. O aluno olhou para mim como se estivesse a olhar para um pós-estruturalista e eu, para o salvar, perguntei pela guerra de Tróia. Nicles. Ulisses? Nicles. Aquiles? Nicles. Eu, já desesperado, insisti:

– Mas sabe ao menos que raio de coisa é o cavalo de Tróia?

– Sei.

Animei-me um pouco

– O que é, então? – perguntei.

– Um vírus.

Há quem chame a isto ignorância. A famosa ignorância da juventude actual. Tenho as minhas dúvidas e vou explicar porquê.

Se um português normal não souber o que foi a batalha de Aljubarrota, é ignorante. Todos os portugueses normais estudaram História e, se não sabem isso, não sabem uma coisa que seria suposto saberem. Pronto, é ignorância.

Se um estudante de arquitectura não souber quem é Nadir Afonso, é ignorante. Se um professor de Português, de Filosofia ou de Física não souberem coisas básicas relativas às suas áreas, são ignorantes.

A ignorância mede-se pelo grau de expectativas. Eu não posso considerar ignorante um agricultor que nunca ouviu falar de Descartes. Seria ignorante, sim, se não soubesse qual a melhor altura do ano para semear alfaces. Como seria ignorante um professor de Filosofia que não soubesse falar de Descartes.

O que se passa com os nossos jovens, actualmente, não é um problema de ignorância. É um problema de isolamento. Eles não podem saber aquilo de que nunca ouviram falar. Eles sabem cada vez mais o que nós não sabemos e o que nós sabemos eles sabem cada vez menos.

A culpa não é só deles. É dos pais, porque têm mais que fazer. Mas é também da escola. A escola, por um lado, deixou de valorizar o saber e o conhecimento. É cada vez mais uma escola de Estudo Acompanhado, da Formação Cívica, da Área de Projecto, aberrações pedagógicas que acabam por contaminar as outras disiplinas.

Por outro lado, os professores, numa escola que despreza o saber e o conhecimento, acabam também por desvalorizar o saber e o conhecimento. Eu sou professor de Filosofia e, hoje, não preciso de ler absolutamente nada para o poder ser. Não precisaria de ler mais nada para além da TV Guia, para ser o professor de Filosofia que me pedem para ser.

É assim que as coisas estão e já deu para perceber que é assim que vão continuar a estar. E não é nada fácil lutar contra cavaleiros perigosos que gostam de se disfarçar de românticos moinhos de vento.

josericardoccosta@gmail.com

          

Moinhos de Vento


Fevereiro 15 2008

   

   O Jornal Torrejano desta semana publica mais uma excelente e imperdível crónica de José Ricardo Costa que, aqui e com uma grande vénia, se transcreve:

       

Dizia-me há dias uma colega minha que as minhas crónicas andavam amargas, longe do humor e jovialidade de outros tempos.

Em vez de desanimar, decidi fazer-lhe a vontade e escrever alguma coisa mais bem disposta. Comecei então a pensar nalguns membros do governo para ver qual deles poderia contribuir para recuperar o meu alienado sentido de humor.

Eis senão quando dou por mim a levar um tremendo murro no estômago que me atira de novo para o tapete do pessimismo: o sentimento de horror perante as casas projectadas pelo engenheiro Sócrates na altura em que o engenheiro era mesmo engenheiro na câmara da Covilhã.

Murro fatal. Do tão ansiado riso passei de novo ao desespero, tendo pois a minha colega que esperar por novas oportunidades (esta saiu-me sem querer), até os normais circuitos neurológicos do meu cérebro deixarem de estar diluídos no fel do desgosto perante a ausência de gosto do ex-ministro do ambiente.

O meu primeiro pensamento foi de natureza psicanalítica. E toda a gente sabe que é de coisas tristes que se fala quando se fala de psicanálise.

Quando os pais de Sócrates se divorciaram, tinha ele 5 anos, ficou com o pai, arquitecto, na Covilhã, enquanto os dois irmãos foram com a mãe para Cascais. Ora, 5 anos é a idade do complexo de Édipo, aquela coisa dos rapazes matarem simbolicamente o pai.

Só que havia aqui um problema. Longe da mãe, não teria dado lá grande jeito matar o pai. Ora, é aqui que eu avanço com a minha arrojada teoria. Já que não o pôde fazer na altura própria, as horripilantes casas de Sócrates foram um mecanismo subconsciente de matar o pai arquitecto. Simbolicamente, claro, mas sobretudo de desgosto.

Sei lá, como se a Scarlett Johansonn, para não ficar parecida com mãe, fizesse uma plástica para ficar parecida com a Manuela Moura Guedes.

O próprio autoritarismo e mau feitio de Sócrates podem resultar de uma necessidade subconsciente de subjugar o pai, sobretudo depois deste o ter derrotado e humilhado enquanto número dois da lista do PSD à câmara da Covilhã.

Porém, não querendo eu explorar a vida privada do engenheiro, abandonei por completo tais especulações.

Mas a minha obsessão pelo pitoresco e autárquico sentido estético do ex-ministro do Ambiente não me largou. E foi isso que me fez pensar no sentido do seu sucesso político e social num país como Portugal.

O engenheiro, em popularidade, está bem acima do seu governo e do parlamento. Não deixa de ser estranho, se pensar que já não deve haver quem não se desmanche a rir sempre, e é quase sempre, que fala com aquele ar de quem se sente Moisés guiando o povo pelo deserto.

Só que, neste caso, mais no sentido da anedota judaica: guiando o povo de Israel pelo deserto mas para depois o largar no único sítio do Médio Oriente onde não existe petróleo.

Mas aí é que está. Na very, very Europe’s west coast, os seus projectos na Rapoula, Valhelhas ou Covadoude, são um fortíssimo motivo de orgulho. O gosto de Sócrates é o gosto dos portugueses. Ou, se quiserem: vice-versa.

As casas de Sócrates, numa altura em que ainda não vestia Armani, são um símbolo da portugalidade. Hoje, vestido de Armani, Sócrates, é o filho que todos os portugueses gostariam de ter, num tempo em que já não se sobe na vida a pulso mas à vara.

Apesar de ser mais conhecido por correr, Sócrates é o típico português que, na vida, conseguiu saltar à vara, qualquer coisa que afaga o inconsciente colectivo dos portugueses.

Saltar à vara, antigamente, era apenas uma modalidade desportiva. Hoje, significa subir na vida, subida que pode ir desde o sopé em Mogadouro até ao cume dos dois maiores bancos portugueses, bastando para isso fazer um estágio de alpinista no PS e um curso de Relações Internacionais da universidade Independente.

O engenheiro das casinhas da Guarda, tal como Armando de Mogadouro ou, em tempos, o seminarista de Santa Comba Dão, continua a ser um dos "nossos" em Lisboa. E os portugueses apreciam esses vestígios de provinciano que singrou num meio do qual se sentem arredados, de uma burguesia lisboeta e portuense que frequentou os melhores colégios e que no berço bebeu chá e comeu sopa de letras inglesas, francesas ou alemãs, em vez de sopinhas de leite e farinha Maizena.

Sócrates é insuportavelmente arrogante? Mas os portugueses gostam de políticos arrogantes. É por isso que aguentaram Salazar tanto tempo e deram a segunda maioria a Cavaco. É também por isso que gostaram menos de Caetano e de Guterres.

Tivesse ido o José para Cascais com a mãe e provavelmente não seria o José que conhecemos. Acho que teríamos hoje um arquitecto simpático em vez de um engenheiro arrogante.

Perdoe-me o jargão. Mas é mesmo caso para dizer que Freud explica.

    

josericardoccosta@gmail.com

  


Valhelhas Europe’s West Coast


Janeiro 30 2008

Ele não fez fotografias de Portugal. Fotografou Portugal, como se de uma pessoa se tratasse, mesmo ali à sua frente, enquanto olha para o passarinho.

A primeira vez foi para mostrar a fotografia de um maneta, na praia, a sair da água todo desengonçado, com aquela cara de quem acabou de acordar com uma ressaca de bagaço. Ao lado, dentro de água, vê-se uma mulher vestida que agarra uma criança aos berros. Na altura, eu olhei para isto e vi Portugal.

O mesmo Portugal que vejo no retrato deste homem e desta mulher que acabaram de casar numa aldeia transmontana. Quem vê esta fotografia vê logo o Portugal dos anos 60, o qual não devia ser muito diferente do Portugal dos anos 30, o qual não devia ser muito diferente do Portugal do princípio do século.

Mas eu vejo esta fotografia e continuo ainda a ver o Portugal do século XXI. Imagino os filhos e os netos deste casal e vejo-os reféns desta fotografia. Como uma marca que determina geneticamente as gerações seguintes.

Vê-se logo, nesta imagem, uma clara contradição entre a mesa e as expressões vagas do casal.

Percebe-se que é dia de festa. Uma mesa cirurgicamente bem posta e preparada para uma cerimónia que se imagina farta de comida. Uma mesa orgulhosa e que não esconde uma certa vaidade, lembrando a expressão de felicidade das mulheres quando saem da cabeleireira.

Pelo contrário, o casal, pobre e analfabeto, está com um ar de exílio e de abandono. Um ar absolutamente heimatlos, o ar, não de quem acabou de sair da cabeleireira, mas de quem acabou de chegar a Paris, a cidade-luz, vindos da aldeia ainda sem luz e de onde nunca tinham saído.

Foi nos anos 80 que Portugal viu a luz da Europa a entrar pela janela. Até então, não passava de um pobre e obscuro país entalado entre o vazio da planície espanhola e o vazio do mar, cujo mapa interior está bem reflectido no rosto deste casal.

Quando Portugal se sentou à mesa para o banquete, sentiu-se orgulhoso ao lado da Alemanha, da França, da Inglaterra, da Holanda, de todos aqueles loiros de olhos azuis que conhecia dos telejornais e das praias. Sentiu que entrara finalmente na Europa.

Mas mais do que a luz da Europa a entrar pela janela foi o dinheiro da Europa a entrar nos bancos e a sair pelos multibancos. Não uma janela de vidro e com vista para o exterior mas uma janela de oportunidades perdidas.

Portugal é, hoje, um país com uma mesa farta: um país de telemóveis, plasmas do melhor, computadores para dar e vender, cozinha equipada, carro à porta, passeios dominicais ao shopping. Eu vejo os filhos e os netos deste casal e vejo-os já na cidade, num T3 de Chaves, Bragança ou Vinhais, uma qualquer cidade de Trás-os-Montes da Europa.

A mesa dos filhos e netos continua, pois, farta e bem posta. Mas são ainda os filhos dos seus pais e os netos dos seus avós que um dia irão ser os avós dos seus netos. Já sabem ler e escrever, claro, mas não sabem ler e escrever como seria suposto saber ler e escrever um europeu normal do século XXI.

O rosto deste casal é o rosto de Portugal depois das especiarias da Índia e dos escravos de África. O rosto de Portugal depois do ouro do Brasil. O rosto de Portugal depois dos fundos europeus.

O rosto de quem está ao mesmo tempo deslumbrado e atónito perante uma mesa opulenta, para um dia de festa que acaba sempre cedo demais.

Vi, na semana passada, no telejornal, a inauguração do casino de Chaves. Mal as portas abriram, entraram centenas de pessoas que aguardavam lá fora, ansiosas, a abertura.

Não, não eram jogadores como aqueles de Monte Carlo, de papillon e cabelo com brilhantina puxado para trás e a passar o dedo pelos lábios como o gigolo de óculos escuros do Martini Cinzano. Eram os flavienses puros e duros que, ululantes, entravam no casino como se entrassem no piquenicão da Rádio Renascença, na Ovibeja ou na Fatacil. Novos e velhos.

Quem sabe se, no meio desta multidão não estaria também o casal desta fotografia. Bem gostava de os ver agora, já velhos, assim como quem viu a menina afegã da capa da National Geographic, muitos anos depois.

Acho que os iria encontrar ainda com o mesmo ar aparvalhado de 1964, só que, desta vez, não perante uma mesa para comer, mas uma mesa para jogar ou uma slot machine cheia de luz, a mesma luz do shopping por onde passarão no domingo à tarde.

Eu vejo o ar aparvalhado deste casal e vejo o ar aparvalhado de Portugal. Pobre perante a riqueza, rico perante a pobreza.

Eu disse que isto era um retrato de Portugal.

josericardoccosta@gmail.com

  

  

   Mais um excelente texto de José Ricardo Costa publicado no "Jornal Torrejano" da semana passada e que não resisti a rapinar.

   Um abraço ao Professor JRCosta.

 

A mesa


Novembro 05 2007

             

   Já anteriormente chamei a atenção dos meus leitores para a excelência de dois cronistas/comentaristas de um pequeno jornal, semanario, de provincia - o Jornal Torrejano.

   Ambos com formação e mantendo pontos de vista de "esquerda", o que torna a minha opinião insuspeita, são professores em escolas secundárias da cidade (Torres Novas), e, penso que, ambos de Filosofia.

   A semana passada ambos escreveram sobre aspectos actuais do ensino.

   Francamente gostei e, embora não concordando com a totalidade das ideias expessas (e seria mau se tal acontecesse), rapinei e publico de seguida as suas crónicas para proveito, espero eu, dos meus leitores que, na generalidade, não têm acesso àquele jornal.

        

    

Nos anos 80, vinham notícias do Afeganistão que falavam de uns estudantes de teologia que resistiam à ocupação soviética.

Ingenuamente, eu imaginava jovens com o ar angélico do padre Vítor Melícias, que passavam o dia a ler, meditar, enfim, a tratar da horta, e que saíram dos mosteiros para irem combater os materialistas dialécticos de Moscovo.

Porém, ao ver uns sujeitos andrajosos a bombardear as estátuas de Buda, com o mesmo entusiasmo que com que os caçadores, ao domingo, disparam sobre as lebres, comecei a perder as ilusões.

Ora, foi também isto que me aconteceu com os cientistas da educação. Que pensei eu quando comecei a ouvir falar deles? Em pessoas que dedicavam a vida a estudar a melhor maneira de levar as crianças, não só a saírem da escola sabendo muito mais do que quando entraram, mas também com a inteligência mais espicaçada.

Este meu idílio mental foi bom enquanto durou. Até ao dia em que comecei a perceber que trucidavam os alunos com a mesma pontaria com que os estudantes de teologia atiravam aos Budas e os caçadores às lebres.

São, pois, perigosos. Uma mistura de fanáticos com fé no mito do bom selvagem e de caçadores de lebres que esfolam a inteligência dos alunos, cientificamente educados pelos seus mestrados e doutoramentos. Mas o que é, afinal, um cientista da educação?

Alguém que passou anos a estudar para concluir que a educação deve estar centrada no aluno, que o insucesso escolar é sempre o resultado de um fracasso do professor, que este não é o detentor do saber nem está na aula para ensinar. É apenas um amigo que está ali para ajudar o aluno a pesquisar, a investigar, mas também para lhe dar quilos de auto-estima de modo a poder vir a ser um cidadão feliz.

Daí encarar com horror o facto de um menino poder chumbar, ainda que este ligue tanto ao estudo como um leão a uma couve-flor, ou saiba tanto do que lhe tentam ensinar como se tivesse a memória de um doente de Alzheimer.

Aliás, graças a este espírito evangélico, vai ser agora possível a um menino, depois de faltar 103 vezes às aulas durante um ano, porque não lhe apeteceu ir, fazer um exame para ter de passar.

A valorização científica de um professor é irrelevante, considerando-se mesmo reaccionária e conservadora a ideia de a escola ser um local onde os alunos tenham de usar o esforço e aprender com seriedade.

Daí a ideia de transformar a escola num ATL a tempo inteiro. E com disciplinas giras, como Estudo Acompanhado, Área de Projecto, Formação Cívica, as quais, para além de permitirem dar boas notas até a um ouriço-cacheiro, vão ainda contaminar as outras disciplinas, saindo os alunos da escola com o cérebro tão descompensado como o de um madeirense após um discurso de Alberto João Jardim.

Mas atenção. Por detrás de todo o folclore psicopedagógico que empesta o discurso do nosso talibã, esconde-se um burocrata e um frio tecnocrata. Um cientista da educação vê a escola como uma fábrica de automóveis na qual os professores têm de cientificamente aplicar os planos e metodologias inspirados nos seus nauseabundos mestrados e doutoramentos.

Adora ainda ver os professores em reuniões inúteis, a preencher papéis como se fossem funcionários do Registo Predial, ou então, último grito da moda, com os olhos tão especados num portátil como um esfomeado num cozido à portuguesa. Não sei explicar porquê, mas tem um fascínio quase erótico por planificações, matrizes, planos de aula ou grelhas de avaliação que parecem o cockpit de um Airbus.

O nosso talibã desconfia dos professores que lêem livros em vez de estarem a preencher relatórios, em reuniões, a preparar powerpoints para poder comunicar com alunos que se perdem ao fim de três frases, a transportar portáteis para a aula para os alunos pesquisarem informações na Internet que depois irão reproduzir como se tivessem o cérebro de um papagaio, ou a requisitar filmes para fomentar estratégias de ensino-aprendizagem (é assim que se diz) mais ricas e estimulantes.

Estes cientistas, só por si, não seriam de temer. O problema é a sua ligação ao poder político, ou pior, o facto de já serem eles o poder político. Estes talibãs não matam com explosivos. Mas matam. Matam com maçãs lindas e lustrosas com as quais recebem os alunos no início de cada ano lectivo.

Mas que ninguém entre em pânico. Estamos em Portugal e a falar da morte de coisas como saber, cultura, inteligência e boa educação.

Os pais, claro, aplaudem, os alunos rejubilam. Os professores, naturalmente, resignam-se.

jr_costa@clix.pt

     

    

    

   

Cientistas da Educação

Saíram os rankings dos exames nacionais. Este ano a propaganda em relação aos resultados obtidos por algumas, algumas, note-se bem, escolas privadas tem atingido a paranóia. Mas por que motivo certos colégios das grandes cidades obtêm melhores resultados que as escolas públicas? Há vários motivos. Uns são incontroláveis: situação geográfica, situação cultural e social dos pais, por exemplo, contribuem para explicar uma parte da diferença dos resultados.

Há, porém, outros motivos e estes são da responsabilidade do Ministério da Educação. Nesses colégios, o ensino é tradicional, o professor é a autoridade dentro da aula, o aluno e as famílias são responsabilizados pelo aproveitamento. Quem não gostar que se vá embora. Os professores estão concentrados no trabalho de ensinar.

No ensino público, há muito que não é isto o que se passa. Alunos e famílias não têm qualquer responsabilidade no aproveitamento escolar. Imagine o leitor o seguinte: um aluno não quer estudar, não lhe apetece, ou não quer ir às aulas. Acha que ele e a família são responsabilizados? Então, está enganado. Para o governo actual, o único responsável de o aluno não querer estudar ou de não querer pôr os pés na escola é o professor. Só o professor corre o risco de ser avaliado negativamente. Por outro lado, enquanto os professores dos colégios se concentram no acto de ensinar, o professor do ensino público é massacrado com reuniões, projectos, planos, relatórios, actas, grelhas, avaliações de escola e toda uma actividade idiota que o desvia da sua função: ensinar. No ensino público, tudo está feito, no âmbito da lei, para impedir os professores de ensinar.

Quem ler com olhos de ver o Estatuto da Carreira Docente, os documentos para avaliação de professores e o novo Estatuto do Aluno, tudo produções deste governo, descobre facilmente uma coisa: os alunos podem fazer o que lhes apetecer, podem ter o comportamento mais irresponsável que lhes aprouver. Só o professor corre o risco de ser «chumbado».

Nada disto se passa por acaso. Esta política tem duas finalidades: em primeiro lugar, humilhar os professores da escola pública para legitimar a sua proletarização; em segundo lugar, evitar que os alunos do interior e das classes socialmente menos favorecidas das grandes cidades vejam os seus filhos entrar para as grandes universidades. Os bons lugares da sociedade dependem de aprendizagens de alta qualidade. Ora as políticas educativas governamentais apenas tratam de assegurar a protecção àqueles que a situação social e cultural da família já protege.

A política educativa do actual governo é a mais abjecta de que tenho memória: nunca como agora se protegeu tanto os fortes e se prejudicou impiedosamente os fracos. O consulado de Lurdes Rodrigues vai ficar como um dos mais negros da história da educação em Portugal. Mas nada disto revolta os militantes socialistas?

                              


A VER O MUNDO     http://averomundo-jcm.blogspot.com


 

Rankings e outros embustes


Setembro 27 2007

O Milagre

Está escrito: «Destruirei a sabedoria dos sábios e reprovarei a prudência dos prudentes». Onde está o sábio? Onde está o erudito? Onde está o investigador deste século? Porventura, Deus não considerou louca a sabedoria deste mundo? 1ª Carta aos Coríntios, 1, 18    

                  

           

Estava eu desesperado, sem assunto para a crónica desta semana, quando sou salvo por esta fotografia que aqui vê, vinda no Público.

Não, não venho aqui explorar a profunda, fervorosa e catolicíssima devoção do engenheiro. A fé é como gostar de telenovelas, comer sardinhas assadas com batatas fritas, ou ser do Sporting: cada um sabe da si.

Também não venho aqui explorar a presença de um padre, no pleno exercício das suas funções, dentro de uma escola pública. É normal. Se bem se lembram, o engenheiro foi um devoto ministro do outro engenheiro que gostava mais da Nossa Senhora dos Aflitos à chuva, numa procissão, do que de Mário Soares coberto de chocolate e chantilly em cima de um pão de ló.

O que esta fotografia tem de impressionante é o facto de coincidir com um momento ímpar da nossa História contemporânea: aquele em que vários ministros, percorrendo Portugal de lés a lés, andaram a distribuir computadores em cerimónias cuja pompa e circunstância parecia a dos Globos de Ouro da SIC, com a pequena diferença de, no lugar de Bárbara Guimarães, termos a engenheira Maria de Lurdes, o engenheiro Vieira da Silva, o engenheiro Alberto Costa ou o engenheiro Rui Pereira.

A primeira coisa que me veio à cabeça foi tratar-se de uma acção de propaganda. O que até não tem nada de mal. Se o major Valentim Loureiro oferece micro-ondas ao povo, parece-me justo o governo não querer ficar atrás.

Mas isto é muito mais do que propaganda ou simples bênção de uma qualquer EB2,3, perdida algures, no Portugal profundo. É o catolicismo tridentino no seu esplendor aplicado à educação.

Como toda a gente sabe, o catolicismo é uma religião muito mais sincrética do que o protestantismo. Alguém imagina uma Cova da Iria nos arredores do Estocolmo? Ou um holandês, rastejando no chão, a agradecer uma promessa à mãe de Jesus? Ou um jogador de futebol dinamarquês a benzer-se quando pisa o relvado?

Uma das marcas principais da fé católica é a crença em milagres. Ora, esse é também um dos aspectos que têm marcado a ideologia dos nossos governantes a respeito da educação.

Quando o engenheiro entra numa escola, com o mesmo ar alucinado que Moisés devia ter quando desceu o Monte Sinai depois de ter estado com Deus, para dar computadores ao rebanho, está a dar um sinal de grande catolicidade.

Aliás, o nosso engenheiro deve achar-se tão próximo de Deus que, fosse ele da Maçonaria, Deus deixaria de ser o Grande Arquitecto para passar a ser o Grande Engenheiro.

Esse sinal é precisamente o contrário do que encontramos na ética protestante. Porquê?

Nos países protestantes, que o nosso ideólogo-engenheiro tanto admira, o sucesso é feito à custa de método, rigor, disciplina e exigência. Em Portugal, pelo contrário, segue-se a tese do milagre. Talvez por ouvirem falar tanto no milagre alemão que fez de um país destruído como a Alemanha, uma potência económica.

Em Portugal, parte-se do princípio de que basta chapar os olhos de uma criança em frente a um ecrã de computador ou colocar na parede da sala de aula um quadro que mexe, para que as nuvens do céu se abram e os raios do desenvolvimento iluminem a pátria.

Claro que é irrelevante chegar ao fim do secundário sem saber ler nem escrever. Ou entrar num curso de engenharia a fazer contas de somar com os dedos. Ou ir para um curso de Direito com o nível cultural de Rui Rio.

Ou seja, em Portugal, é a fé, o crer, que nos salva, e não a filosofia, a matemática, a física ou a história. Como grande católico que é, e tal como S. Paulo, o engenheiro prefere a loucura da cruz à louca e vã sabedoria deste mundo.

Nós olhamos para esta fotografia e percebemos logo em que mãos está a escola portuguesa. Uma das mãos é a dos políticos, que descem dos seus gabinetes até ao país real, cheios de bênçãos burocráticas e muita fé no destino. A outra é a mão de Deus, de cujos misteriosos e insondáveis desígnios ficamos reféns.

Se reparar bem, vemos ainda um jornalista com uma câmara de filmar para que tudo fique registado à hora do telejornal. Se o Vaticano teve o seu Miguel Ângelo ou o seu Rafael para registarem a glória de Deus, este governo tem as câmaras de filmar para incensar a sua infinita Graça.

A nós, professores, que damos aulas e ali não aparecemos, só nos resta pedir a Deus que tenha, mas tenha mesmo, muita piedade de nós.

jr_costa@clix.pt

   

   

   O Jornal Torrejano, semanário de Torres Novas conta com dois excelentes cronistas semanais.

   Um deles, o Prof. José Ricardo Costa, "brinca", semanalmente, com as nossas misérias, miudinhas e lusitanas misérias, de uma maneira que já não se via desde os tempos de Artur Portela Filho no "Jornal Novo", espetando farpas certeiras no no triste quotidiano deste triste país.

   É rara a semana que não me apeteça rapinar a sua crónica para o meu blogue.

   Nunca calhou.

   Mas hoje não resisto a rapinar a publicada na edição do dia 20 do corrente mês.

   Com as devidas vénias ao autor e ao jornal.

   



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