Em gestão corrente ...como o País...

Março 09 2012

 

Igual aos deuses me parece

quem a teu lado vai sentar-se,

quem saboreia a tua voz

mais as delícias desse riso

 

que me derrete o coração

e o faz bater sobre os meus lábios.

Assim que vejo esse teu rosto,

quebra-se logo a minha voz,

 

seca-me a língua entre os dentes,

corre-me um fogo sob a pele,

ficam-me surdos os ouvidos

e os olhos cegos de repente.

 

Torna-se liquido o meu corpo:

transpiro e tremo ao mesmo tempo.

Vejo-me verde. mais que a erva.

Só por acaso é que não morro.

 

 

Safo,

séc. VII a. c., Grécia

 

Tradução de David Mourão-Ferreira

 

in "Os Dias do Amor, Um poema para cada dia do ano",

de Inês Ramos, Ministério dos Livros Editores, 2009



Novembro 15 2008

   

Ilha

    

  

Deitada és uma ilha     E raramente

surgem ilhas no mar tão alongadas

com tão prometedoras enseadas

um só bosque no meio florescente

  

promontórios a pique     e de repente

na luz de duas gémeas madrugadas

o fulgor das colinas acordadas

o pasmo da planície adolescente

  

Deitada és uma ilha     Que percorro

descobrindo-lhe as zonas mais sombrias

mas nem sabes se grito por socorro

  

ou se te mostro só que me inebrias

amiga     amor     amante     amada     eu morro

da vida que me dás todos os dias

   

    

David Mourão-Ferreira, in

"Obra Poética,

      


 

emgestaocorrente às 18:42

Outubro 28 2008

    

Falência

  

Meu coração, rubra esplanada

abriu no verão, à beira-mar,

sobre uma praia desesperada

onde ninguém foi veranear.

   

David Mourão-Ferreira, in

"Obra Poética"

   


 

emgestaocorrente às 21:34

Setembro 17 2008

A sombra da casa onde nasci

 


Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.

Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.

Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão...

Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que me sai, sem voz, do coração.

David Mourão-Ferreira

     

Rapinado, com a devida vénia, do indispensável "Corte na aldeia"

     


 


Setembro 08 2008

     

   De férias esta semana, no Alto Alentejo, pois claro!, com um calor que não deve haver noutras regiões, 4 poemas eróticos, de rajada!

   Ora toma!

    

      

José Gomes Ferreira

    

De: Café

  

De súbito, o diabinho que me dançava nos olhos,

mal viu a menina atavessar a rua,

saltou num ímpeto de besouro

e despiu-a toda...

   

E a Que-Sempe-Tanto-Se-Recata

ficou nua,

sonambulamente nua,

com um seio de ouro

e outro de prata.

    

    

Vasco Graça Moura

  

5.    vai-se a lasciva mão

   

vai-se a lasciva mão devagarinho

no biquinho do peito modelando

como nuns versos conhecidos quando

uma mulher a meio do caminho

   

era de vento e nuvens, sombras, vinho,

e sonoras risadas como um bando.

os dedos lestos vão desenredando

roupa,cabelos, fitas, desalinho.

  

a noite desce e a nudez define-a

por contrastes de luz e de negrume

ponto por ponto, alínea por alínea.

  

memória e amor e música e ciúme

transformados nos cachos da glicínia,

macerando no verão sombra e perfume.   

   

  

David Mourão-Ferreira

    

Presídio

 

Nem todo o corpo é carne... Não, nem todo.

Que dizer do pescoço, às vezes mármore,

às vezes linho, lago, tronco de árvore,

nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco...?

    

E o ventre, inconsistente como o lodo?...

E o morno gradeamento dos teus braços?

Não, meu amor... Nem todo o corpo é carne:

é também água, terra, vento, fogo...

   

É sobretudo sombra à despedida;

onda de pedra em cada reencontro;

no parque da memóra o fugidio

  

vulto da Primavera em pleno Outono...

Nem só de carne é feito este presídio,

pois no teu corpo existe o mundo todo!

     

    

Natália Correia

   

Cosmocópula

    

O corpo é praia a boca é a nascente

e é na vulva que a areia é mais sedenta

poro a poro vou sendo o curso de água

da tua língua demasiada e lenta

dentes e unhas rebentam como pinhas

de carnívoras plantas te é meu ventre

abro-te as coxas e deixo-te crescer

duro e cheiroso como o aloendro

    

    

in "Eros de passagem, Poesia erótica contemporânea",

Selecção e prefácio de Eugénio de Andrade,

Ed. Campo das Letras, Porto, 1997

    


 


Maio 11 2008

 

A pressa 

           

A pressa

com que se despe

             

Nem na alma lhe  apetece

qualquer veste

           

A pressa

com que se despe

      

Até da carne e da pele

se pudesse

         

David Mourão-Ferreira

in "Obra Poética"

            


 

emgestaocorrente às 17:42

Abril 17 2008

Ternura

      

Desvio dos teus ombros o lençol,

que é feito de ternura amarrotada,

da frescura que vem depois do sol,

quando depois do sol não vem mais nada...

      

Olho a roupa no chão: que tempestade!

Há restos de ternura pelo meio,

como vultos perdidos na cidade

onde uma tempestade sobreveio...

     

Começas a vestir-te, lentamente,

e é ternura também que vou vestindo,

para enfrentar lá fora aquela gente

que da nossa ternura anda sorrindo...

     

Mas ninguém sonha a pressa com que nós

a despimos assim que estamos sós!

     

David Mourão-Ferreira, in

"Obra Poética"

   

 


emgestaocorrente às 19:07

Novembro 19 2007

    

LVII

  

Quando menos vestida

mais intenso o brilho

das jóias da sedutora.

  

LIX

  

A sedução é uma planta carnívora.

Não há memória de sedutoras vegetarianas.

  

LXI

  

A sedutora pode tornar-se perigosa

quando se deixa seduzir.

  

LXIX

  

Ai da sedução que não é uma arte!

Ai da arte que não é uma sedução!

        

      

David Mourão-Ferreira, in

"Jogo de Espelhos", 2º ed., 2001, Ed. Presença



Novembro 18 2007

     

XLVI

  

Nem todos os desportos se adequam

ao corpo da sedutora. Dos que possam

fazê-la transpirar, apenas a equitação.

  

XLVIII

 

Mais vale uma sedutora a voar

que duas seduzidas na mão.

  

L

  

Quando casada com tecnocrata

é que por vezes a sedutora,

fora do lar, melhor revela a exuberância

da sedução e os limites da tecnocracia.

  

David Mouão-Ferreira, in

"Jogo de Espelhos", Ed. Presença, 2ª ed., 2001



Novembro 12 2007

    

XXXII

  

Não há como a sedutora

para transformar o desejo

num desfiladeiro por onde se rola,

com os olhos postos no Sol.

  

XXXVI

 

Não nos factos que narra,

antes nas inflexões

com que os vai sugerindo,

é que a sedutora coloca

toda a sua sedução.

 

XL

 

Impossível conceber a sedutora

sem um longo pescoço flexível, de sedutora.

    

  

David Mourão-Ferreira, in

"Jogo de Espelhos", Ed. Presença, 2º ed. 2001 (1ª: 1993)

 


 

emgestaocorrente às 19:23

Novembro 11 2007

  

XXIV

 

Roupa íntima da sedutora:

ou negra, ou branca, ou nenhuma.

  

XXV

 

A sedução nada tem a ver

com raça nem com classes:

só com raça; só com classe.

 

XXIX

  

A sedutora só deixa para amanhã

o que pode mas não quer fazer hoje.

                 

 

David Mourão-Ferreira, in

"Jogo de Espelhos", Ed. Presença


emgestaocorrente às 10:21

Novembro 10 2007

    

XVII

  

Nada mais fatal à sedução

que o exagero da sedução.

  

XIX

  

Sedentas, as sedutoras?

Muito mais as não sedutoras;

e as não seduzidas.

 

XX

  

Sublime e gloriosa é a sedução

quando alcança todo o seu esplendor

num céu carregado de nuvens.

   

  

Davd Mourão-Ferreira, in

"Jogo de Espelhos", Ed. Presença,


emgestaocorrente às 21:41

Novembro 08 2007

    

XII 

  

Não é a tempo inteiro

que se exerce a sedução. Nem em part-time.

Vá lá saber-se como, quando,como.

    

XV

   

Nem toda a que seduz

é oiro.

  

XVI

 

Sedutora ausente,

sedução para sempre.

  

David Mourão-Ferreira, in

Jogo de Espelhos, Ed. Presença, 2001


emgestaocorrente às 20:02

Novembro 07 2007

I

  

A sedução

é um dom: como o da poesia.

Também tem muito a ver com a música.

A pintura e a própria escultura vêm depois.

  

II

  

A deusa da sedução?

Não só Afrodite.

Todas as mais dão a sua ajuda.

   

IX

   

Não olha a meios a sedução:

mesmo para alcançar nenhuns fins.

  

  

David Mourão-Ferreira, in

"Jogo de Espelhos", Ed. Presença, 2001


 

  

emgestaocorrente às 18:04

Março 04 2007

           

Esta mulher

no centro

do corpo traz uma ilha

       

Esta mulher

um templo

no centro da sua ilha

      

Esta mulher

o centro

já do templo   não da ilha

         

Esta mulher

oh templo

de tudo na minha vida

             

David Mourão-Ferreira

in "Obra Poética"

 


 

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