Em gestão corrente ...como o País...

Novembro 12 2011

  

Má consciência

 

  

O adjectivo

dá-me de comer.

Se não fora ele

o que houvera de ser?

  

Vivo de acrescentar às coisas

o que elas não são.

Mas é por cálculo,

não por ilusão.

 

  

Alexandre O'Neill,

in "De ombro na ombreira", Lisboa, 1969


emgestaocorrente às 23:02

Maio 21 2011

 

a vida de família tornou-se bem difícil

com as contas a pagar os filhos a fazer

ou a evitar a ranhoca a limpar

a vida de família não tem razão de ser

não tem ração de querer

 

a vida de família jangada da medusa

é o tablado da antropofagia

  

mas ficam os retratos cristo virgem maria

e os sobreviventes, que vão chupando os dentes

  

 

Alexandre O'Neill, in "Poesias Completas 1951/1986",

Imprensa Nacional, Lisboa, 1990

 


 

emgestaocorrente às 22:57

Fevereiro 04 2009

        

A meu favor

   

   A meu favor

   Tenho o verde secreto dos teus olhos

   Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor

   O tapete que vai partir para o infinito

   Esta noite ou uma noite qualquer

  

   A meu favor

   As paredes que insultam devagar

   Certo refúgio acima do murmúrio

   Que da vida corrente teime em vir

   O barco escondido pela folhagem

   O jardim onde a aventura recomeça.

    

Alexandre O'Neill, in

"Poemas de Amor", org. Inês Pedrosa,

Publ. D. Quixote, Lisboa, 2003.

   


 


Novembro 23 2008

  

Os lagartos ao sol

     

Expõe ao sol a perna escalavrada,

no Jardim do Príncipe Real,

uma velha inglesa. Não há nada

tão bonito (pra mim), so natural.

  

E conversamos: "Heliterapia

medicina barata em Portugal."

Accionista do sol, ajudo à missa:

"But, não muito, que senão faz mal."

  

Gozosos, eu e a velha, ali ficamos

à mercê de meninos e marçanos.

Ela, a inglesa, de perninha à vela;

e eu, o português, à perna dela.

    

Tavez que, se Briol nos consevara,

alguém um dia nos ajardinara.

   

Alexandre O'Neill, in

"De ombro na ombreira", Cadernos de poesia 3, Ed. D. Quixote, 1969

      


 

emgestaocorrente às 15:26

Agosto 15 2008

  

Alpendre/2

   

"Quem muito poupa na carne, acaba por comer a gengiva",

dizia um compadre meu que se arruinou com as mulheres.

O doidivanas tinha alguma razão.

Só que não lhe serviu de nada.

O coitado até comeu os dentes!

Cá o Fernandes governou-se como pôde.

Ao princípio nada foi fácil, diga-se a verdadinha.

Mas agora é essa fartura que se vê:

as arcas cheias e terra (desta vez a do berço!) para passear  

                                                     [com os olhos às trindades.

Cá o Fernandes poupou carne e gengiva.

Soube levar sem grandes sobressaltos a barquinha da vida.

Mandou o filho, o duma listra só, para os estudos.

Era burro. Não dava. Foi para a oficina.

Acho que se perdeu por aí nas políticas.

A Quina está velha.

Tem as pernas que nem mármore de Extremoz,

mas é muito minha amiga.

Ainda me deu uma filha.

A filha está casada com um médico.

Vivem em Coimbra.

  

Alexandre O'Neill, in

"Entre  cortina e a vidraça", 1972

    


 

emgestaocorrente às 08:13

Abril 05 2008

O tempo faz caretas

    

Visto que não há regresso

e o tempo está de mau cariz,

viremos o dia do avesso

para ver como é, primeiro.

    

A carranca dum velho ou o trazeiro

prazenteiro dum petiz?

    

Alexandre O'Neill, in

"No Reino da Dinamarca", 1958

emgestaocorrente às 14:03

Janeiro 23 2007

 

 

(Mesmo a propósito para quem está em gestão corrente)

 

Você tem-me cavalgado,

seu safado!

Você tem-me cavalgado,

mas nem por isso me pôs

a pensar como você.

 

Que uma coisa pensa o cavalo;

outra quem está a montá-lo.

 

Alexandre O'Neill

in "De ombro na ombreira", 1969

 

 


emgestaocorrente às 13:01

Janeiro 22 2007

 

Que vergonha, rapazes! Nós práqui

caídos na cerveja ou no uísque,

a enrolar a conversa no "diz que"

e a desnalgar a fêmea ("Vist'? Viii!")

Que miséria, meus filhos! Tão sem geito

é esta videirunha à portuguesa,

que às vezes me soergo no meu leito

e vejo entrar quarta invasão francesa.

 

Desejo recalcado, com certeza...

mas logo desço à rua, encontro o Roque

("O Roque abre-lhe a porta, nunca toque!")

e desabafo: -Ó Roque, com franqueza:

 

você nunca quis ver outros países?

- Bem queria, sr. O'Neill! E ... as varizes?

 

Alexandre O'Neill

in "De ombro na ombreira", 1969

 

 

 

 


 


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